Obra autoral de Miriam Batucada vem à tona em disco que exibe a lírica e verve marginais da artista morta há 30 anos

Songbook reúne 18 gravações inéditas de músicas em que a compositora paulistana abordou temas como insatisfação sexual e submissão feminina. Capa do son...

Obra autoral de Miriam Batucada vem à tona em disco que exibe a lírica e verve marginais da artista morta há 30 anos
Obra autoral de Miriam Batucada vem à tona em disco que exibe a lírica e verve marginais da artista morta há 30 anos (Foto: Reprodução)

Songbook reúne 18 gravações inéditas de músicas em que a compositora paulistana abordou temas como insatisfação sexual e submissão feminina. Capa do songbook 'Infiel, marginal e artista – As composições de Miriam Batucada' Divulgação ♫ OPINIÃO SOBRE DISCO Título: Infiel, marginal e artista – As composições de Miriam Batucada Artistas: Ayrton Montarroyos, Áurea Martins, Blubell, Ceumar, Cida Moreira, Edy Star, Graziela Medori, Juliana Amaral, Leila Maria, Marcos Sacramento, Maria Alcina, Miriam Batucada, Paula Sanches, Silvia Machete, Vânia Bastos, Vange Milliet e Zeca Baleiro. Cotação: ★ ★ ★ ★ ♪ Ao lançar em junho o livro A história incompleta de Miriam Batucada (2024), o historiador e escritor paulistano Ricardo Santhiago teve merecidamente aclamada a oportuna biografia da esquecida cantora e compositora paulistana. A única nota desafinada do lançamento é que o livro abafou o disco editado simultaneamente com 18 gravações inéditas do cancioneiro autoral da artista nascida com o nome de Miriam Ângela Lavecchia (28 de dezembro de 1946 – 2 de julho de 1994) e morta há 30 anos em injusto ostracismo. Disponível em CD e em edição digital, o álbum Infiel, marginal e artista – As composições de Miriam Batucada expõe a lírica e a verve descaradas desta artista que transitou por vias marginais na obra e no mercado da música. Basta citar o Samba do orgasmo, composto no início dos anos 1980 e revivido no disco por Marcos Sacramento, cantor escalado para dar voz a versos pioneiros na exposição da insatisfação sexual feminina nas relações como os machos insensíveis aos prazeres das mulheres. O cancioneiro de Miriam Batucada bebe da graça e da vivacidade mostradas pela artista em apresentações em programas de TV – plataforma para a projeção nacional de Miriam em 1966 – e em shows em pequenas casas. Contudo, há flashes de melancolia em Pra nada, canção em que a compositora lésbica escancara mágoas e dor de amor em letra escrita para uma mulher em gravação feita por Juliana Amaral, mas aberta pela voz da própria Miriam na leitura de carta endereçada a essa paixão (a voz de Miriam também abre e fecha o disco). Angústias e desajustes da alma da artista também são acionadas por O robô (Viro gente), música gravada por Ceumar. Destaque da safra autoral de Miriam Batucada, o samba em tom menor Prendas do lar ganha o canto preciso de Cida Moreira, intérprete convidada a dar voz a uma letra escrita nos anos 1970 com inspiração na submissão da mãe de Miram, Maria Di Nardo, no cotidiano conjugal. De modo geral, a melancolia é dissipada pela espirituosidade da compositora na maior parte do disco. E, verdade seja dita, Ricardo Santhiago escalou o elenco com total acerto. Ninguém melhor do que Edy Star para iluminar Estrela do cabaré – bolero exacerbado em clima brega sobre o esplendor de travesti em boate – em registro que embute citação de Ave Maria (Charles Gounod sobre prelúdio de Bach, 1853). Da mesma forma, Silvia Machete é talhada para cantar Fui procurar um psicanalista, tema resultante da junção de um samba com um tango. Compositor também movido pela verve, Zeca Baleiro se acomoda bem em Cobertura na Bela Vista, samba com crônica de São Paulo (SP), cidade natal da compositora nascida no bairro da Mooca, berço de descendentes de imigrantes italianos. Aliás, o samba Nasci em São Paulo, cantado por Vânia Bastos, traça a biografia da artista. Cantora diplomada na noite carioca, Áurea Martins também está à vontade no universo de Crooner de orquestra enquanto Maria Alcina puxa com a habitual exuberância a marcha Desmascarando a cara, parceria de Miriam com Renato Barbosa, também coautor de Chorinho brasileiro, confiado ao canto preciso de Ayrton Montarroyos. Merece também menção honrosa a graciosidade do canto de Graziela Medori em Gente fina é a mesma coisa, samba da parceria de Miriam com Renato Barbosa. Paula Sanches deita e rola nos breques do samba Complexo de cabeleireira (Belo rapaz), reavivando uma das marcas registradas do canto e da obra de Miriam Batucada. Já Blubell acerta o tom irônico de Nordestina paulistana, sátira de Miriam Batucada sobre a explosão de cantores do nordeste na segunda metade dos anos 1970. Enfim, o álbum Infiel, marginal e artista – As composições de Miriam Batucada é songbook que complementa com brilho o heroico trabalho de Ricardo Santhiago para trazer à tona a história incompleta de Miriam Batucada.